O professor amoroso

Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por JEAN PIERRE CHAUVIN*

Até quando os Professores aceitarão a pecha de amadores? Até quando o professorado aceitará ser tratado como item de “pauta social”?

“Que era, há um ano? Professor. Que é agora? Capitalista.” (Machado de Assis, Quincas Borba, cap. 1)

De tempos em tempos, entreouvimos declarações que desacreditam a profissão de educador e seu papel na sociedade brasileira.

Certa feita, o presidente de uma entidade militar que gestava o estabelecimento de ensino em que lecionava, sugeriu que os professores trabalhavam “por vocação e não por dinheiro”. A declaração fora proclamada em alto e bom som, durante a abertura de um evento que, teoricamente, visava a “capacitar” os presentes em pleno sábado – ou seja, ocupando metade do dia de descanso semanal. Evidentemente, o propósito era outro: o homem fardado dava a “sua” visão sobre os boatos que circulavam nas unidades da empresa sobre a reivindicação por melhores salários.

Ora, quem almeja melhores condições de trabalho pede duas coisas indissociáveis: remuneração adequada pelo que faz e respeito pela profissão docente. Bem sabemos que nossa categoria não tem a mesma coesão de outras corporações, como aquelas que reúnem médicos, engenheiros, policiais federais, advogados, metroviários ou motoristas de ônibus.

Essa desunião entre os colegas se soma à ilusão frente aos “prêmios” oferecidos pelo Estado. Como se sabe, ao longo de três décadas, os governos tucanos aperfeiçoaram a rivalidade entre as instituições: prêmios por resultado só estimulam a concorrência entre os estabelecimentos de ensino e mascaram as condições insalubres na sala de aula, sem contar os efeitos colaterais provocados pela falta de um projeto efetivo de Educação gratuita, inclusiva e de efetiva qualidade, na rede pública de ensino.

Como também sabemos, parte expressiva dos paulistanos não vê qualquer problema em testemunhar o antigo vice de Bruno Covas prestigiar o ato covarde e infame deste dia 25 de fevereiro, capitaneado pelos asseclas do Mitômano-mor. De modo proporcional, uma parcela considerável dos paulistas não sente qualquer constrangimento ao escutar o governador chamar de “chefe” a um sujeito comprovadamente corrupto, negacionista, sádico, entreguista, inepto, ditatorial e golpista.

Nesse sentido, é curioso que parte de meus colegas não interponha qualquer manifesto em defesa da categoria, mesmo diante do discurso recente que pregou dois absurdos: (i) sugerir que onde falta dinheiro, sobra amor [falácia tipicamente proferida por quem numa adentrou a sala de aula, na capital e nas outras cidades de São Paulo]; (ii) prometer que a remuneração dos professores será revista quanto o governo “discutir as pautas sociais”.

Até quando os Professores aceitarão a pecha de amadores? Tamanha dedicação, dentro e fora da sala de aula, não será suficiente para que enxerguem a si próprios como profissionais que merecem ser tratados e remunerados à altura de sua formação, competências e esforços?

Até quando o professorado aceitará ser tratado como item de “pauta social”? Não é de assistencialismo demagógico, nem de caridade fingida que precisamos; mas de valorização da imagem do profissional, requalificação da carreira e aumento do piso salarial. Onde está o empenho das autoridades – tão habituadas a defender a atuação controversa de incertas corporações armadas – a colaborar com que os educadores sejam percebidos e reconhecidos de outro modo?

*Jean Pierre Chauvin é professor de Cultura e literatura brasileira na Escola de Comunicação e Artes da USP. Autor, entre outros livros de Sete Falas: ensaios sobre tipologias discursivas.


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • Razões para o fim da greve nas Universidade Federaisbancos 16/05/2024 Por TADEU ALENCAR ARRAIS: A nova proposta do Governo Federal anunciada dia 15 de maio merece debate sobre continuar ou não a greve
  • O negacionismo ambiental e a inundação de Porto Alegreporto alegre aeroporto alagado 14/05/2024 Por CARLOS ATÍLIO TODESCHINI: Porto Alegre tem o melhor sistema de proteção contra cheias do Brasil. É considerado um “minissistema holandês”. Por que esse sistema falhou em sua função de evitar que a cidade fosse alagada?
  • A universidade operacionalMarilena Chauí 2 13/05/2024 Por MARILENA CHAUI: A universidade operacional, em termos universitários, é a expressão mais alta do neoliberalismo
  • A mão de OzaJoao_Carlos_Salles 14/05/2024 Por JOÃO CARLOS SALLES: O dever do Estado brasileiro e a universidade contratada
  • Como mentir com estatísticascadeira 51 18/05/2024 Por AQUILES MELO: Os números apresentados pelo governo federal aos servidores da educação em greve mais confundem do que explicam, demonstrando, assim, desinteresse na resolução do problema
  • O cavalo Caramelocavalo caramelo 15/05/2024 Por LEONARDO BOFF: Há que se admitir que nós não temos respeitado os direitos da natureza com seu valor intrínseco, nem posto sob controle nossa voracidade de devastá-la
  • A “multipolaridade” e o declínio crônico do OcidenteJosé Luís Fiori 17/05/2024 Por JOSÉ LUÍS FIORI: A defesa da multipolaridade será cada vez mais a bandeira dos países e dos povos que se insurgem neste momento contra o imperium militar global exercido pelo Ocidente
  • A greve nas universidades e institutos federais não…caminho tempo 17/05/2024 Por GRAÇA DRUCK & LUIZ FILGUEIRAS: As forças de esquerda e democráticas precisam sair da passividade, como que esperando que Lula e o seu governo, bem como o STF resolvam os impasses políticos
  • Pensar após GazaVladimir Safatle 08/05/2024 Por VLADIMIR SAFATLE: Desumanização, trauma e a filosofia como freio de emergência
  • SUS, 36 anos – consolidação e incertezasPaulo Capel Narvai 15/05/2024 Por PAULO CAPEL NARVAI: O SUS não foi o “natimorto” que muitos anteviram. Quase quatro décadas depois, o SUS está institucionalmente consolidado e desenvolveu um notável processo de governança republicana

AUTORES

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES